domingo, 15 de março de 2015

Extrema-direita avança com ódio aos direitos humanos, diz filósofo

Na avaliação do filósofo Renato Janine Ribeiro, da USP, a extrema-direita no Brasil adotou uma agenda voltada para a área de costumes, com “ódio cabal aos direitos humanos”. Em palestra em São Paulo, ele disse que o risco no atual cenário político é a contaminação da direita liberal pela extrema-direita

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Em palestra proferida em São Paulo, o filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da cadeira de Ética e Filosofia Política da USP, afirmou que os grupos políticos de extrema-direita no Brasil estão voltando suas atenções sobretudo para a área de costumes — o que envolve as questões de gênero e os direitos de minorias, como os homossexuais. “O que distingue a extrema-direita hoje no Brasil é quase que mais uma agenda de costumes do que uma agenda política”, afirmou. “A extrema-direita está se distinguindo do restante por um ódio cabal aos direitos humanos.”

Antes de falar sobre a forma como a extrema-direita age, o professor observou que no Brasil ainda existem preconceitos fortes em relação a expressões como direita e esquerda e que isso torna o diálogo político mais difícil. Ao definir os dois grupos do ponto de vista da ideologia, disse que a direita defende uma sociedade mais competitiva, com pouca interferência do Estado; e que a esquerda quer programas sociais mais intensos, com maior presença do Estado.

Para a esquerda a questão básica seria a redução das desigualdades. Para a direita, a liberdade, sobretudo a liberdade de empreender. O ideal, do ponto de vista político, seria conseguir um “diálogo bem falante” entre direita e esquerda.

O diálogo não é possível, porém, com grupos extremistas. Enquanto a direita e a esquerda são democráticas, defensoras da liberdade e dos direitos humanos, a extrema-direita e a extrema-esquerda são contrárias a esses princípios, observou o palestrante.

Ao se referir ao quadro partidário e ao Congresso, disse que não existem evidências de ação de grupos de extrema-esquerda no atual momento político. A extrema-direita, no entanto, estaria presente em vários partidos, destacando-se com ataques à liberdade de costumes.

“Atacam o homossexual, a igualdade de gênero, os direitos das mulheres, e por aí. Tudo isso tem um alcance muito grande no Brasil”, assinalou.

Ao atacarem condutas diferentes, os grupos políticos de extrema-direita estariam ganhando o apoio e se articulando com correntes políticas evangélicas, sobretudo neopentecostais. “Isso está criando uma situação potencialmente perigosa”, afirmou. “Na Câmara, um deputado está propondo uma PEC na qual se diz que todo poder não emana do povo, mas de Deus. Não vai passar, mas é um sinal da loucura que está por aí.”

Ainda sobre os riscos potenciais da ação da extrema-direita, Janine observou: “O perigoso no Brasil, de certa forma, é a extrema-direita ir se aproximando da direita e contaminando, a ponto de seu apoio se tornar essencial.”

O cenário é delicado, segundo o filósofo. “A extrema-direita quer aumentar o seu cacife, mas a direita não vê as coisas dessa maneira. Para ela interessa uma extrema-direita radical, que não conhece limites, mas que não se torne hegemônica. Esse é um ponto delicado. A extrema-direita se tornará hegemônica se começar a conquistar gente da oposição, se a oposição começar a achar que o discurso brutal é correto.”

Sobre essa questão ele também disse: “Estamos tendo no Brasil uma tolerância, que é grande, com condutas antidemocráticas que deveriam ser tipificadas como criminosas… Pregar a volta dos militares deveria ser crime, deveria levar a pessoa para a cadeia. Vários países da Europa criminalizaram a pregação nazista. Nós — que tivemos uma ditadura militar — deveríamos criminalizar a pregação da ditadura.”

Na palestra que se estendeu por quase duas horas, com perguntas dos convidados, Ribeiro fez críticas à ação do PSDB e do PT e falou de políticas sociais do governo, impeachment, corrupção e insatisfações da classe média, entre outros assuntos. O encontro aconteceu na terça-feira, 10, e foi organizado pelo Quintal Amendola — uma organização que se apresenta como “espaço para discussão, debate e aprendizado”.

Roldão Arruda
No Estadão

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