terça-feira, 31 de março de 2015

Como xingamentos expõem diferenças culturais






"Diabo! Doente de câncer! Cálice de santuário!"

Essas palavras podem não soar tão ofensivas em português. Mas eu evitaria dizê-las para um finlandês, um holandês ou um canadense do Québec.

A definição de um palavrão não é a mesma nas diferentes regiões do mundo.

Mas uma linguagem mais pesada, usando ofensas e profanação, é algo que todas as culturas conhecem.

Xingar normalmente envolve dar nomes a coisas que você deseja, mas não deveria desejar. Ou tem por objetivo minar estruturas de poder que podem parecer arbitrárias demais.

Temos a tendência a pensar em palavrões como uma entidade única, mas eles na realidade servem a diferentes propósitos.

O linguista e escritor americano Steven Pinker, em seu livro Do Que É Feito o Pensamento, lista cinco maneiras diferentes de falar palavrões:

"descritivamente ('Vamos f...r?'), idiomaticamente ('está f..a'), abusivamente ('f...-se'!), enfaticamente ('isso é f.....mente incrível') e catarticamente ('F..eu!').

Tabus

Nenhuma dessas funções requer palavrões. Em bicol (uma língua nativa das Filipinas), existe um vocabulário especial para expressar a raiva: muitas palavras têm termos alternativos que se referem exatamente à mesma coisa, mas que demonstram a irritação de quem fala.

Em luganda (uma língua de Uganda), você pode transformar uma palavra em um insulto apenas mudando seu prefixo, o que também modifica sua função gramatical.

E em japonês, é possível ofender alguém profundamente apenas usando uma forma inapropriada de dizer "você".

Nem toda linguagem que é tabu conta como palavrão. Algumas palavras ainda têm um significado pesado ou pejorativo, mesmo se não pretendemos xingar alguém – é o caso de termos raciais e insultos baseados em incapacidade física ou orientação sexual.

Mas alguns termos têm a ver com coisas que você evita dizer por causa de seu conteúdo ofensivo.

No sul da África, algumas culturas adotam um discurso "de respeito" que é imposto às mulheres para quando elas falam com as famílias dos maridos. Dizer o nome do sogro, por exemplo, é proibido, assim como qualquer palavra que soe parecido – mas é justamente esse nome que elas vociferam quando se machucam ou quando algo surpreendente acontece.

A mãe dos insultos

Palavras que se referem aos órgãos genitais são as forma mais comum de xingamento. Na China ou na Rússia, as pessoas podem falar o nome do órgão feminino ou masculino quando estão irritadas.

Na Itália, o órgão feminino é mais "proibido": o pênis é visto como uma chave para o poder; a vagina tem que se manter trancada, exceto para o homem com a chave certa.

Nas Filipinas, ocorre o contrário: em bicol, a expressão buray ni nanya ("vagina da mãe") é tão comum quanto dizer "saco".

Já o sexo, na parte agressiva e raivosa do cérebro, é um ato de dominação. Equivalentes funcionais à expressão "F...r" são encontrados em vários idiomas.

Em outras culturas, os homens estão mais ligados a suas mães, então muitos dos xingamentos envolvem atos sexuais com a mãe de alguém (às vezes também especificando sua genitália).

As culturas em que a mãe aparece mais nos palavrões são as latinas e ainda as eslávicas, balcânicas, árabes e chinesa.

Essas culturas tendem a ter sociedades centradas em famílias extendidas em vez de um pequeno núcleo familiar. Tanto que o termo "f...r" também pode se referir ao pai (em bósnio), ao avô ou até a outros parentes: gifsha robt significa "sua família" em albanês, sülaleni sikeyim, "sua família extendida" em turco, e cào nǐ zǔzōng shíbā dài, "seus ancestrais desde a 18ª geração" em mandarim.

Outras culturas que apelam para a moralidade na hora de xingar também acabam atacando as prostitutas – justamente aquelas desafiam a exclusividade da esposa e a posse sobre o homem.

Por isso palavras como "p..." também são xingamentos em tantas partes do mundo. Aliás, as culturas que mais xingam as mães são também as que xingam as prostitutas.

Mas em outras sociedades, surgem diferenças. Mencione a mãe de um homem na Finlândia, por exemplo, e ele vai achar que você tem algum problema com ela e não que está tentando ofendê-lo.

Os finlandeses usam um termo para a genitália feminina que é uma das palavras mais sujas que podem ser ditas no idioma. Mas eles também usam, causando muito desconforto, saatana (Satanás), perkele (Diabo) e helvetti (Inferno), termos usados com a mesma intenção ofensiva na Suécia, na Noruega e na Dinamarca.

Isso porque missionários imprimiram o medo do mal nessas culturas. Uma evidência de um controle da Igreja semelhante também se nota no inglês. Há alguns séculos, xingar usando as partes do corpo de Cristo era extremamente ofensivo. Hoje dizer damn (maldição) ou Hell (Inferno) é muito comum.

Sujeiras

As fezes aparecem como xingamentos pesados em menos países do que se imagina. Na rota Grã-Bretanha-França-Alemanha, palavras como shit, merde e Scheiße têm um significado negativo por causa dos históricos controles sociais voltados para a limpeza e a higiene. Mas na Suécia, skit não soa tão ofensivo.

Alguns lugares têm aversão especial a doenças. Se quiser usar um expletivo catártico em polonês, cholera é um deles. E em tailandês, é possível desejar cólera a alguém.

Muitos palavrões em holandês usam o cólera, o câncer e o tifo. Se quiser dizer algo realmente vulgar nesse idioma, apenas acrescente kanker (câncer).

Animais também podem ser sujos e são usados em muitos insultos. Assim como doenças mentais. "Idiota" pode não soar tão grave em alguns lugares, mas em japonês é um dos xingamentos ofensivos mais usados.

O que nos faz concluir que se a linguagem do dia a dia é o solo no qual cultivamos nossas vidas, os palavrões são os vulcões que disparam de seu interior."

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