O  Brasil privatizado
O Brasil Privatizado
Privatização no Brasil: evolução histórica, dados oficiais e críticas. Nosso Blog traz ao leitor essa importante contribuição da Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. O texto é de autoria de Alexandre Scigliano Valerio, que reproduzimos a seguir, com inserções do Blog em NOTAS DO BLOG. Boa leitura.
“1 Introdução
“ Segundo pesquisas recentes, entre 55 e 70% dos brasileiros não avaliam positivamente o processo de privatizações ocorrido no País. Passados vários anos do auge do referido processo – que continua – é oportuno fazer nova análise do mesmo. O presente artigo, após breve definição de privatização, traça sua evolução histórica, tanto no aspecto jurídico quanto no aspecto fático, apresenta os dados oficiais e expõe críticas positivas e negativas às privatizações brasileiras. As críticas baseiam-se, em grande parte, em textos jornalísticos.
2 Definição de privatização
Muito se fala sobre privatização, poucas vezes ela é definida. Savas (1990:13) entende por privatização o ato de reduzir o papel do governo, ou de dar maior importância ao setor privado, numa atividade ou na propriedade de bens. Donahue (1992:251), num dos dois significados que dá ao termo, define-o como a retirada da esfera pública de certas atividades, responsabilidades ou ativos. Já Hanke (1989:28) defende a idéia de que a privatização significa a transferência de ativos e de funções de serviços do setor público para o setor privado.
revista do tribula de contas de MInas Gerais
Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais
3 A privatização no Brasil: evolução histórica e dados oficiais
3.1 Evolução histórica
3.1.1 Década de 80
  1. A) Aspecto jurídico
O primeiro diploma normativo a tratar da privatização como medida a ser adotada sistematicamente no Brasil foi adotado durante o Governo João Figueiredo. Trata-se do Decreto n. 86.215, de 15 de julho de 1981, que fixou as normas para a transferência, transformação e desativação de empresas sob o controle do governo federal. Depois dele vieram o Decreto n. 91.991, de 28 de novembro de 1985, e o Decreto n. 95.886, de 29 de março de 1988, ambos no Governo José Sarney. Ressaltam os autores que os dois primeiros decretos supracitados refletiam a ideologia da segurança nacional, característica dos governos militares, restringindo a transferência das empresas a serem privatizadas aos cidadãos brasileiros residentes no País ou a empresas ou grupos de empresas sob controle nacional. Somente no último decreto é que começa a haver abandono daquela doutrina, bem como nele se admitem, pela primeira vez, a privatização de serviços públicos, mediante concessão ou permissão, e a utilização de títulos da dívida externa como forma de pagamento.
  1. B) Aspecto fático
Segundo estudo coordenado por Prado (1993:79-88), as características da privatização brasileira nos anos 80 são:
  • predomínio das re-privatizações de pequenas e médias empresas, que haviam sido estatizadas em função da conversão de dívidas contraídas perante o BNDES e as suas subsidiárias e não pagas;
  • ausência de inserção do programa de privatização no quadro mais amplo das políticas macroeconômicas;
  • falta de participação dos sindicatos, da sociedade civil e do Legislativo na condução do processo;
  • ausência do setor financeiro e dos agentes econômicos estrangeiros em virtude da proibição do uso de títulos da dívida pública interna ou externa como forma de pagamento.
3.1.2 Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal de 1988 determinou novo papel para o Estado na economia. A livre iniciativa torna-se, juntamente com a valorização do trabalho humano, um dos fundamentos da ordem econômica (art. 170, caput). A exploração direta da atividade econômica pelo Estado é admitida em caráter excepcional, ou seja, somente nos casos previstos na própria Constituição ou quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (art. 173, caput). O principal papel do Estado na economia passa a ser o de agente normativo e regulador, exercendo, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento (art. 174, caput).
3.1.3 Governo Fernando Collor (1990-1992)
  1. A) Aspecto jurídico
A posse de Fernando Collor trouxe consigo nova etapa no processo brasileiro de privatizações. Aproveitando a confiança inicialmente adquirida em torno das suas propostas, o Presidente incluiu uma medida provisória no bojo das medidas do Plano Brasil Novo e criou o Programa Nacional de Desestatização – PND. Em menos de um mês, a medida provisória converteu-se na Lei n. 8.031, de 12 de abril de 1990, cujo art. 1° fixou como objetivos fundamentais do programa:
I – reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público;
II – contribuir para a redução da dívida pública, concorrendo para o saneamento das finanças do setor público;
III – permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada;
IV – contribuir para a modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia;
V – permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais;
VI – contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o programa.
A lei previu, ainda, a privatização de empresas que prestam serviços públicos mediante delegação da concessão ou da permissão (art. 7°); a possibilidade de a União deter ações de classe especial do capital social das empresas privatizadas, conferindo-lhe o poder de veto em determinadas matérias (art. 8°); a ampla publicidade das operações de privatização (arts. 11 e 13); o limite de 40% do capital votante para a aquisição de ações por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras (art. 13, IV) e a obrigação do titular dos recursos oriundos da venda de ações ou de bens de utilizá-los na quitação de suas dívidas junto ao setor público (art. 15), reforçando assim o objetivo de redução do déficit público.
  1. B) Aspecto fático
  • inclusão de 68 empresas no programa;
  • desestatização de dezoito empresas nos setores siderúrgico, de fertilizantes e petroquímico, tais como Aços Finos PiratiniCNACopesul,CosinorCSTFosfértilPetroflex e Usiminas;
  • predomínio da utilização de títulos da dívida pública federal como meio de pagamento;
  • arrecadação de US$ 4 bilhões.
3.1.4 Governo Itamar Franco (1992-1994)
  1. A) Aspecto jurídico
Durante o Governo Itamar Franco, a Medida Provisória n. 327, de 14 de junho de 1993, e as suas sucessivas reedições modificaram a Lei n. 8.031/90 em alguns pontos importantes, dentre os quais se destacam a admissão da participação do capital estrangeiro em até 100% do capital votante das empresas, cujas ações forem alienadas, e a aceitação de utilização, como forma de pagamento, das chamadas moedas sociais tais como o FGTS. Além disso, foi modificado o art. 30 da Lei n. 8.177, de 1º de março de 1991,determinando-se que os recursos em moeda corrente, obtidos nos leilões de privatização, fossem usados para amortizar a dívida pública federal de emissão do Tesouro Nacional e custear programas ou projetos nas áreas da ciência e tecnologia, da saúde, da defesa nacional, da segurança pública e do meio ambiente, aprovados pelo presidente da república. Por fim, o Decreto n. 1.068, de 02 de março de 1994, dispôs sobre a inclusão no PND de participações societárias minoritárias de que são titulares as fundações, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e quaisquer outras entidades controladas, direta e indiretamente, pela União.
  1. B) Aspecto fático
3.1.5 Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)
  1. A) Aspecto jurídico
No Governo Fernando Henrique Cardoso, o objetivo de aprofundar o programa brasileiro de privatização conduziu à aprovação, no dia 15 de agosto de 1995, das Emendas Constitucionais n. 5, 6, 7 e 8.
A EC n. 5 alterou o art. 25, § 2°, permitindo aos Estados explorarem os serviços locais de gás canalizado, diretamente ou mediante concessão, abolindo a obrigatoriedade de outorga dessa a empresas estatais somente, conforme dispunha a redação original do dispositivo.
A EC n. 6, por sua vez, revogou o art. 171 da Constituição, que definia empresa brasileira de capital nacional e lhe dava proteção especial. Alterou, ainda, o art. 176, § 1°, dispondo que a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica sejam efetuados, mediante autorização ou concessão da União, por brasileiros ouempresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, admitindo, pois, que tais atividades sejam exercidas por subsidiárias de empresas estrangeiras.
Já a EC n. 7 alterou o art. 178, eliminando a predominância conferida, no setor de transportes marítimos, aos armadores nacionais e aos navios de bandeira e registros brasileiros e do país exportador ou importador e possibilitando que o transporte de mercadorias na cabotagem e a navegação interior sejam feitos por embarcações estrangeiras, nos termos da lei.
Por fim, a EC n. 8 deu nova redação ao art. 21, inc. XI, permitindo que os serviços de telecomunicações sejam explorados diretamente pela União ou mediante concessão, permissão e autorização, suprimindo, também aqui, a exigência de que a outorga da execução seja conferida a empresas sob controle estatal.
O processo de flexibilização do texto constitucional, entretanto, não terminou aí. A EC n. 9, de 09 de novembro de 1995, modificou o art. 177, autorizando a União a contratar com empresas estatais ou privadas a realização das suas atividades de monopólio com relação ao petróleo, ao gás natural e aos outros hidrocarbonetos fluidos.
Com a sanção da Lei Geral de Telecomunicações, Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997, introduziram-se normas específicas para o processo de privatização no setor de telecomunicações.
Lei n. 9.478, de 06 de agosto de 1997 – que, entre outros assuntos, dispõe sobre a política energética e as atividades relativas ao monopólio do petróleo – admitiu, por sua vez, que a participação da União na Petrobras se restrinja àquela necessária à manutenção do controle acionário, isto é, a cinqüenta por cento das ações, mais uma ação, do capital votante (art. 62).
A antiga Medida Provisória n. 327/93, sucessivamente reeditada com inúmeras alterações, foi finalmente convertida em lei. As principais alterações da Lei n. 9.491, de 09 de setembro de 1997, e atualmente em vigor, em relação à lei anterior são indicadas no quadro a seguir:
A Lei n. 9.491/07 foi objeto de alterações via medidas provisórias e Lei n. 9.635, de 15 de maio de 1998.
Com vistas à privatização, a empresa Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás) e suas controladas (Furnas Centrais Elétricas, Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. (Eletronorte), Empresa Transmissora de Energia Elétrica do Sul do Brasil S.A. (Eletrosul) e Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE)) tiveram sua reestruturação prevista pela Lei n. 9.648, de 27 de maio de 1998(art. 5º).
Mediante a EC n. 31, de 14 de dezembro de 2000, foi alterada a redação dos arts. 79 a 82 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADTC. Segundo a nova redação do art. 81, os rendimentos de um fundo constituído pelas privatizações federais serão revertidos ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, também criado pela emenda.
Lei n. 8.177/91, que dispunha sobre os títulos da dívida pública de responsabilidade do Tesouro Nacional, foi substituída pela Lei n. 10.179, de 06 de fevereiro de 2001. Formalmente, os recursos obtidos com as privatizações seguem tendo as mesmas finalidades (art. 1º, parágrafo único), mas a lei continua a não estabelecer parâmetros para atender a uma ou a outra.
Lei n. 10.568, de 19 de novembro de 2002, permitiu a venda, pela União, das ações direta ou indiretamente detidas no Banco do Brasil e que excedam o controle acionário.
  1. A) Aspecto fático
3.1.6 Governo Luiz Inácio Lula da Silva (desde 2003)
  1. A) Aspecto jurídico
Nesse período, dois atos normativos destacam-se: a) a Lei n. 10.848, de 15 de março de 2004, que excluiu do PND a Eletrobrás e suas controladas (art. 31); e b) a EC n. 49, de 08 de fevereiro de 2006, que modificou os arts. 21 e 177, flexibilizando o monopólio da União no setor nuclear especificamente no que se refere aos radioisótopos.
  1. B) Aspecto fático
  • continuidade da outorga de concessões para exploração de serviços de energia elétrica;
  • alienação de participações minoritárias em empresas de telefonia e na Vale;
  • venda de ações representantes de 7,6% do capital do Banco do Brasil;
  • realização do primeiro leilão de concessões de rodovias federais, que incluiu sete trechos, entre os quais Fernão Dias e Régis Bittencourt;
  • desestatização de participações minoritárias nos bancos estaduais do Ceará e Maranhão, que haviam sido federalizados;
  • venda da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista – CTEEP;
  • arrecadação total (PND, telecomunicações e privatizações estaduais) de US$ 400 milhões (até dezembro de 2005).
Na contramão da privatização, é de se observar aqui a incorporação ao Banco do Brasil do Banco do Estado de Santa Catarina – BESC e do Banco do Estado do Piauí – BEP, abandonando-se a ideia original naquele sentido.
4 A privatização no Brasil: críticas
As privatizações brasileiras têm sido objeto de críticas positivas e negativas. O conhecimento a respeito, mesmo para o jurista, é imprescindível, pois não se deve perder de vista que o Direito e a realidade devem caminhar juntos para que aquele cumpra a sua função de ordenar a vida social em prol do bem-estar coletivo.
4.1 Críticas positivas
Para exemplificar as críticas positivas citam-se os casos do setor de telefonia, da Vale e da Embraer.
Segundo Cintra (2006),
desde 1998, o setor de telecomunicações investiu mais de R$ 130 bilhões. A quantidade de telefones fixos saltou de 20 milhões para mais de 42 milhões em meados de 2006.
Antes da privatização, a oferta de linhas telefônicas era restrita, os custos eram exorbitantes, e a espera era longa. Os mais pobres nem pensavam em possuí-las. O mercado paralelo era pujante – e abusivo.
Em meados de 1998, quando o Sistema Telebrás foi desestatizado, existiam no Brasil quinze milhões de telefones fixos. Os brasileiros esperavam anos por uma linha. Era um privilégio tão caro – um telefone chegava a custar mais de US$ 5.000 – que a linha entrava até na relação de bens nas declarações de Imposto de Renda das pessoas físicas.
(…) a proporção de domicílios com telefone mais que triplicou em dez anos: de 19,8% passou para 62,0%.
Já a Vale e a Embraer aumentaram consideravelmente a sua produção, exportação, lucro (conseqüentemente passaram a pagar mais tributo), número de funcionários, valor e posição nos mercados em que atuam.
4.2 Críticas negativas versus vantagens teóricas
No entanto, o governo brasileiro não aproveitou ou não aproveitou suficientemente algumas possíveis vantagens da privatização, conforme se passa a analisar.
4.2.1 Redução da presença do Estado na economia?
Com a privatização, o Estado passa a executar um número menor de atividades que irão satisfazer diretamente as necessidades dos consumidores – administrados. Tal fato permite, por um lado, um melhor desempenho do Estado naquelas atividades não privatizadas, uma vez que ele concentra os seus esforços e se torna mais especializado e, por outro, um melhor desempenho com relação às atividades privatizadas, livrando os seus prestadores das amarras burocráticas da administração pública.
Entretanto, nas privatizações brasileiras há (houve) uma alta participação dos fundos de pensão: não obstante sejam pessoas jurídicas de direito privado, os fundos de pensão estão vinculados às estatais, pois metade dos seus diretores é indicada pela empresa estatal à qual estão ligados nas palavras de Assis (1997:177), o fundo manda na empresa, mas a estatal instituidora manda no fundo e o governo manda na estatal. A chance é grande de a empresa privatizada cair nas mãos de uma administração escolhida por critérios políticos.
F oto v ale do Rio doce
Foto de umas das mineradoras do Vale
4.2.2 Redução do déficit público?
A venda de direitos estatais possibilita ao Estado arrecadar recursos e diminuir o déficit público. Entretanto, nas privatizações brasileiras há (houve):
  • utilização de moedas podres: principalmente nos primeiros anos da década de 90, foi maciça a aceitação de moedas podres pelo seu valor de face; com isso, o governo recebeu menos em dinheiro e ainda perdeu a possibilidade de apropriação do deságio de tais títulos no mercado; do R$ 1,05 bilhão pago pela CSN, R$ 1,01 bilhão o foi nesse tipo de moeda;
  • não-arrecadação do dinheiro em caixa: a Vale e a Telesp dispunham de, respectivamente, R$ 700 milhões e R$ 1 bilhão em caixa quando foram privatizadas;a CTEEP tinha em caixa R$ 600 milhões ao ser privatizada;
  • venda única e total das ações: uma privatização gradual garantiria ao governo maiores lucros via valorização das ações remanescentes numa administração privada;
  • subestimação do preço de venda: em muitas ocasiões, o preço de venda das estatais foi fixado tendo em vista o faturamento futuro líquido, descontando-se ainda o custo de oportunidade, isto é, os juros que os compradores aufeririam se investissem o dinheiro da compra no mercado financeiro – com isso, o valor do patrimônio transferido não foi levado em consideração;até hoje se discute o preço da venda da Vale e, em janeiro de 2006, uma decisão judicial do TRF da 1ª Região chegou a determinar a realização de uma perícia para averiguar a possibilidade de ter havido prejuízo aos cofres públicos; a exploração de poços de petróleo tem sido concedida a preços ínfimos, se comparados com a potencialidade de lucro –  no recente caso da CTEEP, engenheiros calcularam um prejuízo de R$ 1,4 bilhão aos cofres do Estado de São Paulo; (NOTA do BLOG: A Vale do Rio foi construída com imensos sacrifícios do povo, depois de vigorosa resistência, dos mineiros e do presidente Vargas, contra a Itabira Iron, de Percival Farquhar. Obtivemos os empréstimos do Eximbank para a exploração das minas do Cauê e para indenizar os acionistas ingleses da Itabira Iron, mediante os Acordos de Washington, de 1942, que nos exigiram, de contrapartida, a cessão das bases doNordeste para as operações das forças norte-americanas e o envio de tropas brasileiras para a guerra na Europa. A Vale do Rio Doce – agora Vale (2008) – para ser mais palatável aos negócios e acionistas, foivendida por  R$ 3,3 bilhões, quando valia R$ 100 bilhões. “ Se você tivesse um cacho de bananas que valesse  R$ 9,00, você o colocaria à venda por R$ 0,30? Óbvio que não. Mas foi isso que o governo federal na era Fernando Henrique Cardoso fez na venda de 41% das ações da Companhia Vale do Rio Doce para investidores do setor privado, em 1997. Eles pagaram R$ 3,3 bilhões por uma empresa que valia perto de R$ 100 bilhões”.  Ainda segundo denúncias, em maio de 1995 a Vale do informou à Securities and Exchange Comission, entidade que fiscaliza o mercado acionário dos Estados Unidos, que suas reversas de minério de ferro em Minas Gerais eram de 7.918 bilhões de toneladas. No edital de privatização, apenas dois anos depois, a companhia disse ter somente 1,4 bilhão de toneladas. O mesmo ocorreu com as minas de ferro no Pará, que em 1995 somavam 4,97 bilhões de toneladas e foram apresentadas no edital como sendo de apenas 1,8 bilhão de toneladas. Outro ponto polêmico é o envolvimento da corretora Merrill Lynch, contratada para avaliar o patrimônio da empresa e calcular o preço de venda. Acusada de repassar informações estratégicas aos compradores meses antes do leilão, ela também participou indiretamente da concorrência por meio do grupo Anglo American. De acordo com o TRF, isso comprometeu a imparcialidade da venda. No primeiro ano de privatização, no qual a Empresa “avaliada em R$ 10 bilhões pela Corretora Marril Lynch”, foi leiloada por R$ 3,3 bilhões, o lucro líquido da empresa foi de R$ 12,5 bilhões, mais de três vezes o valor de sua venda. No Brasil, os minérios são explorados por quatro sistemas totalmente integrados, que são compostos por mina, ferrovia, usina de pelotização e terminal marítimo (Sistemas Norte, Sul e Sudeste). A Vale consome cerca de 5% de toda a energia produzida no Brasil. Em 24 de outubro de 2006 a Vale anunciou a incorporação da canadense [Inco] , a maior mineradora de níquel do mundo, que foi efetivada no decorrer de 2007. Após essa incorporação, o novo conglomerado empresarial CVRD Inco – que mudou de nome em novembro de 2007 – tornou-se a 31ª maior empresa do mundo, atingindo um valor de mercado de R$ 298 bilhões, à frente da IBM. Em 2008 seu valor de mercado foi estimado em 196 bilhões de dólares pela consultoriaEconomática, perdendo no Brasil apenas para a Petrobras (287 bilhões) e se tornando a 12ª maior empresa do mundo. Em 2012 foi eleita a pior empresa do mundo pelo “Public Eye Awards”, por conta dos impactos de suas atividades em questões de direitos humanos e meio ambiente).
  • não-diminuição da dívida pública: em dezembro de 1994, a dívida líquida do setor público era R$ 153 bilhões, o que representava 30,4% do PIB; em dezembro de 2007, a dívida alcançou R$ 1,15 trilhão, correspondendo a 42,8% do PIB; segundo estudo de Maciel e Arvate, de 1980 a 2005 o gasto do governo com custeio das estatais não diminuiu, mantendo-se estável em torno de 20% do PIB.
protestos pela privatização da Vale
Protestos Contra a Privatização da Vale do Rio Doce
4.2.3 Transferência de deveres do setor público ao setor privado?
A cessão de direitos estatais possibilita também a transferência ao setor privado de deveres antes atribuídos ao Estado, tais como pensões e aposentadorias dos empregados alocados, principal e juros de dívidas contraídas e outros.
Entretanto, nas privatizações brasileiras há (houve):
  • demissão prévia e assunção pelo governo de encargos com demissões, aposentadorias e fundos de pensão existentes à data das privatizações: o Governo de São Paulo demitiu 10.026 empregados da sua empresa ferroviária (FEPASA) entre 1995 e 1998 e ainda assumiu o encargo pelo pagamento dos cinquenta mil aposentados da mesma; já o Governo do Rio demitiu mais da metade dos funcionários do Banerj antes de privatizá-lo; ao privatizar o setor de telefonia, a União reteve dívidas trabalhistas e previdenciárias no valor de R$ 1,6 bilhão;
  • assunção pelo governo de dívidas das empresas privatizadas: por ocasião da privatização da Cosipa, o governo paulista assumiu dívidas no valor total de R$ 1,5 bilhão, enquanto na privatização da CSN o governo federal ficou responsável por dívidas de R$ 1 bilhão; dívidas também foram assumidas nos setores de telefonia e ferroviário;
  • empréstimo de dinheiro público aos compradores privados, inclusive estrangeiros, a juros subsidiados: a Light e a CSN receberam do BNDES empréstimos de, respectivamente, R$ 730 milhões e R$ 1,1 bilhão, a juros abaixo dos vigentes no mercado brasileiro; entre empresas que recentemente receberam empréstimos do BNDES citam-se: Brasil Telecom (R$ 2,1 bilhões),Telemar (R$ 2,4 bilhões), Vivo (R$ 1,5 bilhão) e América Latina Logística (R$ 1,12 bilhão); segundo dados recolhidos pelo jornal Folha de São Paulo:
O governo federal injetou, por meio de empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), US$ 15,6 bilhões em 101 empresas que foram privatizadas ou das quais a União deixou de ser acionista. Levantamento inédito da Folha, feito a partir de dados reservados do banco, permitiu quantificar o valor que cada uma dessas empresas recebeu em empréstimos no período de janeiro de 1992 a setembro de 2003. A soma dos recursos corresponde a 14,8% dos US$ 105,5 bilhões que a União e os Estados arrecadaram desde 1991. Há casos de empresas que já receberam do BNDES muito mais dinheiro do que renderam seus leilões de privatização. A empresa que mais obteve recursos do BNDES foi a Embraer: US$ 4,15 bilhões entre 1995 e 2003.
  • auxílios fiscais: o governo concedeu aos compradores a possibilidade de compensarem o Imposto de Renda a pagar com os prejuízos acumulados antes da privatização.
4.2.4 Retomada dos investimentos?
A privatização possibilita a retomada dos investimentos para os quais o Estado alega não ter dinheiro suficiente. Uma vez que as empresas privadas tendem a ser mais eficientes, elas tendem a ser mais solventes (cumprindo os compromissos assumidos por ocasião de empréstimos) e mais atraentes no que se refere à venda de partes do capital, permitindo assim a captação de recursos através da emissão de novas ações.
Entretanto, nas privatizações brasileiras há (houve) investimento público anterior às privatizações: o governo investiu R$ 21 bilhões em dois anos e meio no setor de telefonia antes de privatizá-lo; na Açominas o aporte foi de R$ 4,7 bilhões e, na CSN, de R$ 1,9 bilhão; a Rodovia Fernão Dias foi duplicada antes de ser privatizada.
4.2.5 Introdução da concorrência?
A privatização permite a introdução da concorrência nos setores privatizados, seja através da extinção pura e simples do monopólio público, admitindo a atuação concomitante de agentes econômicos privados, seja através do desmantelamento das empresas públicas monopolistas, por meio da sua divisão em várias empresas privadas, cada uma atuando num ramo ou numa área geográfica específica.
Entretanto, nas privatizações brasileiras há (houve) extinção de monopólios públicos e criação de monopólios privados: as empresas públicas que detinham exclusividade legal na execução das suas atividades não foram divididas por ocasião da privatização, ingressando assim no setor de livre mercado na condição de monopolistas; por outro lado, sem regulação, a privatização de empresas não monopolistas abriu caminho para o monopólio, por meio da compra de ou venda a empresas já atuantes nos mesmos mercados (concentração horizontal) ou em mercados fornecedores ou consumidores (concentração vertical). Exemplos: mesmo depois de oito anos da privatização da telefonia fixa, Telemar, Telefônica e Brasil Telecom detêm mais de 90% do mercado nas respectivas áreas de concessão; a Petrobras responde por 96% da produção doméstica e 90% da importação de gás; a privatização dos bancos estaduais (…) ajudou a reduzir em quase 30% o número de instituições financeiras que atuam no País; a Vale detém o monopólio nacional da produção e exportação de minério de ferro.
4.2.6 Democratização do capital?
A privatização abre também a possibilidade da venda de ações ao público em geral, o que inclui as pessoas de menor poder aquisitivo, que não costumam investir no mercado de ações. Isso pode ser feito reservando-se uma parcela do capital social das empresas públicas para a venda a essas pessoas, por um preço fixo, estabelecendo-se ainda uma quantidade máxima de ações por indivíduo e prêmios para aqueles que continuarem a ser proprietários das ações após um ou mais períodos de tempo.
Outra forma de democratização do capital é a transferência da empresa pública às pessoas que nela trabalham, o que é fator de grande eficiência.
Entretanto, nas privatizações brasileiras não há (houve) democratização do capital, ao contrário do que ocorreu na Inglaterra, na França e na Itália.
4.3 Outras críticas negativas
4.3.1 Demissão dos trabalhadores após as privatizações
Várias empresas privatizadas realizaram demissão em massa da sua força de trabalho, tais como Acesita (67%), Banco Meridional (40%), CST (39%), Usiminas (33%) e Vale (28%); o número de funcionários das empresas de telecomunicações em 2005 representa apenas 30% do total existente em 1995, a incorporação total do Banespa (pelo Santander) (…)custou 20 mil empregos (…) segundo o Sindicato dos Bancários de São Paulo (ligado à CUT).
4.3.2 Aumento de preços e tarifas após a privatização
Mesmo após a privatização, o preço do aço continua acima do vigente no mercado internacional. As tarifas de energia e de telefonia e o preço dos combustíveis derivados do petróleo têm sido constantemente reajustados. Os pedágios nas estradas também são considerados elevados. Segundo estudo da Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE, do Ministério da Fazenda, concluído em dezembro de 2005, desde maio de 1995, enquanto a inflação medida pelo IPCA atingiu 126%, a variação acumulada dos preços administrados foi de 339%, e a inflação relativa aos preços livres alcançou 93%.
4.3.3 Eliminação do subsídio cruzado
O governo eliminou, ainda antes das privatizações, os subsídios cruzados nas tarifas de energia e telefone (a utilização de serviços que denotasse maior poder aquisitivo do usuário era sobre tarifada no intuito de subsidiar a tarifa paga pelo usuário mais pobre). Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, o serviço de telefonia celular está disponível em 3.280 municípios, deixando de fora 2.380 ou 41,43% do total de municípios brasileiros. (Nota do Blog – As operadoras de telefonia somente tem interesse em investir nos principais centros urbanos do País. Numa visão Capitalista de maximizar o lucro e o retorno do capital investido em detrimento de uma função de prestação de serviço social para toda a coletividade )
5 Apreciação geral / Conclusão
Todas essas objeções podem ser, tanto individualmente quanto em conjunto, contra-argumentadas pelos defensores da privatização. Esses dirão, por exemplo, que várias dessas medidas eram necessárias para tornar a transferência atrativa para o setor privado e que a privatização, por sua vez, é um imperativo de economicidade à longo prazo.
Entretanto, não se pode negar que o conjunto das críticas demonstra que o processo poderia ter produzido resultados bem mais satisfatórios para o povo brasileiro. O fato de o capital não ter sido democratizado, por exemplo, apresenta-se injustificável, sendo oportuno serem citadas aqui as palavras de Assis (1997:108), escritas ainda no auge das privatizações:
Um argumento que se tem invocado (…) é a estreiteza de nosso mercado de capitais. Já não é tanto. Hoje, com a entrada de estrangeiros, são cinco milhões de investidores diretos, sete milhões de indiretos, via fundos de pensão, e uma capitalização em bolsa das empresas abertas da ordem de US$ 120 bilhões. (Também na Inglaterra o mercado era considerado pequeno, antes das privatizações, quando apenas 5% da população adulta tinha ações. (…)
O governo brasileiro deveria ter promovido a privatização de forma mais refletida e planejada, maximizando, assim, as suas vantagens e minimizando as suas desvantagens. O interesse público exige que os maiores benefícios possíveis sejam colhidos.
Tendo em vista a continuidade do processo, a crítica ainda pode ser aproveitada.”
Esperando ter contribuído para os leitores sobre o processo de privatização no Brasil…
http://jcrnoticiasonline.wordpress.com/2014/12/06/privatizacao-no-brasil-evolucao-historica-dados-oficiais-e-criticas/