segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Aécio retoma FHC com reforma tributária que não taxa fortunas e não desonera pobres

Pela proposta tributária do PSDB de Aécio Neves, grandes fortunas continuarão sem taxações. Tranquilidade para os mais ricos
'Programa de governo de candidato tucano propõe imposto único sob o comando federal, o que apenas simplifica o sistema, sem citar sonegação nem taxação de helicópteros e iates
Rede Brasil Atual 

As propostas para reforma tributária do candidato à presidência da República pelo PSDB, Aécio Neves, não produzirão efeitos no sentido de tornar a carga tributária brasileira mais justa, reduzindo seu custo sobre os mais pobres – a chamada regressividade. Esta é a avaliação do professor de economia da Universidade de Campinas (Unicamp) Francisco Luiz Cazeiro Lopreato, para quem uma reforma efetiva deve compreender taxação sobre renda e patrimônio, incluindo as grandes fortunas, além da desoneração dos itens de primeira necessidade, como os alimentos.

Aécio propõe a criação de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), que teria legislação e arrecadação nacional, substituindo os atuais Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e também as contribuições sociais e econômicas. A arrecadação seria baseada em alíquota única, depois dividida com os estados.

Além da estrutura fiscal, a proposta compreende que os cidadãos brasileiros passariam a receber um registro único e geral, já ao nascer, que seria utilizado tanto para questões sociais – previdência, saúde, educação, segurança – como para abertura de empresas e pagamento de impostos. Uma ampliação do que foi proposto em 2009, no segundo mandato do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando foi apresentado o Registro Único de Identidade Civil (RIC), que acabou não sendo implementado.

A discussão sobre o tamanho da carga tributária no Brasil é uma queixa antiga que vem ganhando força desde os anos 1990. Em 2000, a Associação Comercial de São Paulo criou o impostômetro, que deve chegar à marca de R$ 1,3 trilhão arrecadados neste ano, antes do fim deste mês. No entanto, pouco se fala sobre a redistribuição da carta, que hoje onera os mais pobres.

“Como está, a proposta terá somente o ganho da simplificação dos tributos, o que é importante, porque hoje temos muitos impostos diferentes. Mas é uma proposta tímida e que pode colocar muito peso sobre um único imposto, dificultando romper a regressividade”, explica Lopreato. “Isso já foi colocado por Fernando Henrique Cardoso, em 1997. Não tem nenhuma novidade e não ataca as grandes questões que estão colocadas.”

A proposta de FHC compreendia a criação do IVA, incidente sobre bens e serviços, com a extinção dos demais tributos (IPI, ICMS, ISS, CSLL, COFINS e PIS/PASEP). A exemplo de Aécio, o presidente não propunha qualquer forma de tributação sobre grandes fortunas ou redução tributária sobre produtos de primeira necessidade. Mas criava outras taxas, como o imposto sobre vendas a varejo de mercadorias, no âmbito estadual, e o imposto sobre vendas a varejo de serviços, municipal, não citados no programa atual do PSDB.

O candidato tucano de 2014 admite que, no curto prazo, não será possível realizar a redução de impostos.

O economista Geraldo Biasoto, também professor da Unicamp, recebe bem o projeto do PSDB, embora avalie que a ideia é mais interessante para corporações do que para as pessoas. “A proposta é ousada. O sistema hoje é ineficiente economicamente. Pode ser difícil operacionalizar quanto às pessoas, mas para as empresas é interessante.”

Um dos problemas dos impostos no Brasil hoje é que são “iguais” nos produtos básicos e inexistentes nos artigos de alto custo ou mesmo de luxo. Um morador da periferia de Diadema, na Grande São Paulo, que compra um pacote de arroz em um mercadinho paga o mesmo imposto que um empresário que faz a mesma compra em um supermercado de rede, em Higienópolis, bairro de classe alta da região central da capital paulista.

Ao mesmo tempo, o dono de um helicóptero ou de uma lancha não tem impostos a pagar pela propriedade desses artigos, assim como as pessoas que possuem grandes fortunas, ao passo que donos de automóveis têm obrigações com o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

Apesar disso, a criação de um tributo único federal é entendida como uma boa possibilidade de enfrentar a guerra fiscal – quando os estados fazem modificações em suas legislações tributárias, reduzindo ou ampliando cargas para atrair investidores. É também elogiada a simplificação do sistema, já que hoje são inúmeras as regras de taxação e os vários impostos.

Lopreato e Biasoto concordam com outra proposta do tucano: o fim da tributação sobre exportações, que para eles prejudica as empresas brasileiras. “Você pode criar um sistema de IVA no destino, ou seja, que vai colocar a taxação no local onde o consumo ocorre”, propõe Lopreato.

“Hoje não existe imposto especifico sobre exportações, mas todos os demais incidem nos insumos e materiais que compõem o produto. E isso é maléfico para nossa economia”, defende Biasoto.

Aécio também propõe melhorar criar métodos para devolver os créditos surgidos por impostos cobrados sobre esses insumos que vão constituir as exportações, possibilitando o pagamento de obrigações de seguridade social ou quitar dividas de ICMS de outras empresas. Segundo Biasoto, as empresas levam em média cinco anos para reaver tais valores, que correspondem a cerca de 3% dos tributos pagos.

No entanto, essa medida também não é nenhuma novidade e seria resolvida com a aplicação efetiva dos instrumentos legais existentes, que já compreendem a devoluçãopor outros meios, explica Lopreato.

Outra questão que chama a atenção é que o programa tucano não apresenta nenhuma proposta no sentido de enfrentar a sonegação de impostos, que, segundo dados do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), atingiu R$ 415 bilhões em 2013 e deve chegar a R$ 475 bilhões neste ano. E que, no geral, não pode ser feita no consumo de produtos básico, mas sim nas tributações complexas.

Para o professor Lopreato, no entanto, existe uma inversão nas preocupações, ao dar-se tanta ênfase para as propostas de Aécio, como se o Poder Executivo pudesse resolver tudo sozinho. Propostas de emenda à Constituição dependem de aprovação de dois terços dos parlamentares na Câmara e no Senado, em dois turnos, o que é improvável em um Congresso com alta presença de representação empresarial.

Os ex-presidentes FHC e Luiz Inácio Lula da Silva fizeram propostas de reformas, mas ambas ficaram paradas no Congresso Nacional. Para Lopreato reside justamente aí o problema, que ele explica com uma frase que teria sido dita em 1962, pelo então primeiro-ministro Tancredo Neves, avô de Aécio. “Ele disse: 'Existe um projeto de reforma tributaria tramitando nesta casa [o Congresso] há 25 anos. E se depender de nós, congressistas, não sai. Porque não interessa a ninguém'. Essa é principal resistência a ser vencida ainda hoje”, conclui.

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