quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Assim surgem as lendas



Os novos donos da Líbia enterraram o corpo do coronel Kadhafi em algum lugar do deserto para evitar que o seu túmulo virasse local de peregrinação. 
Os americanos fizeram o mesmo com o que sobrou de Bin Laden, só que em vez de enterrá-lo na areia, o jogaram em alto-mar, com a mesma justificativa....
Nos dois casos, não dar aos cadáveres dos inimigos derrotados o mesmo tratamento que se dá a qualquer pessoa comum significa, pelo menos figurativamente, matá-los novamente, dessa vez por meio do esquecimento.
A medida, porém, além de ineficaz para os seguidores dos mortos ilustres, que certamente não deixarão de reverenciá-los só porque não sabem onde estão suas ossadas, é bem capaz de provocar efeito contrário. 
A história registra inúmeros casos desse tipo em que o personagem vira lenda depois de morto.
É o caso do revolucionário mexicano Emiliano Zapata, cujo regresso do outro mundo é ainda esperado por camponeses, quase cem anos depois de sua morte.
Outro exemplo é o do rei português D. Sebastião I, morto em 1578 na batalha de Alcácer-Quibir, que inspirou um sem número de obras literárias e, até fins do século XIX era aguardado pelos camponeses baianos denominados "sebastianistas", para ajudá-los a acabar com a "república ateia" recém-nascida.
O mito desses heróis desaparecidos, que um dia qualquer podem retornar para restaurar o antigo regime e impor a sua justiça aos novos ocupantes do poder, é recorrente em todo o mundo.
Mergulhados na intolerância, na estupidez e ignorância, e ávidos pelo botim das conquistas recentes, os senhores da guerra americanos e europeus, com a inestimável ajuda de sequazes nativos igualmente gananciosos, quando agem da maneira como agiram com seus inimigos simplesmente plantam nos lugares mais improváveis do planeta as sementes que amanhã resultarão em frondosas espécimes de fanáticos ansiosos por vingança.
Não deixa de ser irônico: graças aos seus assassinos, o coronel Kadhafi, em vida apenas mais um ditador mitômano, pode se tornar uma lenda lembrada durante séculos pelos rudes habitantes daquela região desértica no norte da África.
Crônicas do Motta

Nenhum comentário:

Postar um comentário